Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:44/16.0BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO;
INCIDÊNCIA OBJECTIVA;
INCIDÊNCIA SUBJECTIVA.
Sumário:Não padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva e tributação pelo rendimento real, por não serem totalmente claro e preciso quanto à incidência objectiva (artigo 104.º, nº 2 da CRP), da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos (artigo 13.º da CRP) e da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal (artigo 103.º, nº 3 da CRP), as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de Dezembro.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

S..............., S.A., interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º .............., praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ponta Delgada, que por sua vez fora apresentada contra o ato de autoliquidação da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” (CESE).

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. A S............. não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).
B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a S............. não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE) - e que, em rigor, constituiu o único objectivo da CESE, não só em 2014, ano a que respeitam os actos tributários cuja declaração de ilegalidade se requer, mas também até ao momento.
C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares.
D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, passados quase três anos do início de vigência do tributo, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido.
E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade - no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental -, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares - para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental).
F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais.
G. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo (portanto, em 2014, 2015 e 2016), esse foi o único objectivo prosseguido efectivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afecta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respectiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético.
H. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos.
1. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto - um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade especifico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular.
J. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13° da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da "contribuição" (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) - designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente.
K. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas - uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório.
L. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade.
M. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN - um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução.
N. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequihbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema.
O. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade),
P. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades - como a S............. - que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio).
Q. A Sentença a quo deveria, pois, ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, aqueles que concretizam as violações da Constituição arguidas nos autos. Não o tendo feito, incorre em vício de violação de lei, devendo por isso ser revogada.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.»

A Fazenda Pública apresentou as suas contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos:
« A) Fundamenta a recorrente as suas alegações na existência de violação de lei, por o Tribunal a quo ter entendido que o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) tinha de ser aplicado no caso sub judicio, não sofrendo de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade; que a CESE é um imposto e não uma contribuição financeira; que a CESE, sendo um imposto, é um imposto inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, que deriva do princípio da igualdade, e que tem uma base de incidência subjetiva; que a CESE, sendo um imposto, é um imposto sobre o rendimento, com violação do princípio da capacidade contributiva, tendo como base objetiva o ativo das empresas abrangidas; que a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC, com violação do princípio da proporcionalidade, não existindo idoneidade ou adequação, por não ser um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN, e por estar consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais; e que existe, igualmente, violação do princípio da igualdade, no que se refere à incidência;
B) Refira-se, desde logo, que não assiste qualquer razão à recorrente no alegado, por o Tribunal Constitucional já ter decidido caso inteiramente semelhante ao atual, tendo o Tribunal a quo aderido à apreciação legal e constitucional do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético;
C) Efetivamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 08.01.2019, publicado em 15 de janeiro de 2019 no sítio do Tribunal Constitucional, pronunciou-se sobre a constitucionalidade da CESE, afastando argumentação semelhante à expendida pela recorrente nestes autos;
D) Desde logo, entendendo que a CESE é uma verdadeira contribuição financeira, e não um imposto, como argumentado pela recorrente, precludindo a apreciação da restante argumentação da recorrente, que se baseia no entendimento de a CESE ser um imposto;
E) Ainda assim, refere este Acórdão, resumidamente, que colocando a recorrente em causa a constitucionalidade da CESE, com base na violação do princípio da capacidade contributiva, por ter uma base de incidência subjetiva, e tendo como base objetiva o ativo das empresas abrangidas, que «o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos», e que ««Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético.
A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação»;
F) Também refere a recorrente existir violação do princípio da proporcionalidade, não existindo idoneidade ou adequação, por não ser um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN, e por estar consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais; e que existe violação do princípio da igualdade, no que se refere à incidência, entendendo o TC quanto a estes aspetos que «No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN. É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade»;
G) O Tribunal a quo, ao aderir à fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional, está a dar uma resposta cabal aos fundamentos da impugnação, inexistindo qualquer vício de violação de lei, até porque o Tribunal a quo expende as suas conclusões quando refere que «o Tribunal Constitucional entendeu que a CESE não ofende os princípios da equivalência (atendendo ao carácter sinalagmático que se patenteia entre o grupo de operadores económicos que estão sujeitos ao pagamento da contribuição e as contrapartidas/verbas consignadas ao Fundo e a serem canalizadas para o setor da energia globalmente considerado – no qual a impugnante se integra) e da proporcionalidade (a maioria das verbas (em cerca de 2/3 da receita) está alocada à promoção de mecanismos de financiamento de políticas do setor energético, de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, o que justifica a relação causal entre a atividade da impugnante e o tributo a pagar; a contraprestação associada à CESE tem natureza “grupal”, pois a base de incidência subjetiva abrange um conjunto diferenciado de destinatários que estão ligados de forma próxima às finalidades do tributo e que presumivelmente irão beneficiar da prestação, em troca da sujeição a este tributo; a contribuição é útil à consecução do fim a que se destina, tendo os cidadãos em geral e a generalidade dos operadores de setores distintos sido afastados das medidas implementadas sobre o setor energético; a titularidade dos ativos tributáveis é um indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aproveitam aos operadores sujeitos ou os custos presumidos que provocam; embora “atenuada”, existe uma relação entre o tributo e o custo ou benefício/vantagem presumida para o grupo determinável ou determinado que a suporta; não é arbitrário o estabelecimento de isenções ou a diferenciação de operadores, em função da base de incidência e a imposição de taxas diferentes, pois o legislador procurou atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores e que os coloca em posição não coincidente relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade energética).
E entendeu que a CESE tem natureza “extraordinária” (o legislador qualificou o tributo como “extraordinário”, dado o seu fundamento assentar numa circunstância ou razão excecional e, ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, tal qualificação indicia que o mesmo não será para manter indefinidamente ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu) e que a mesma não viola o princípio da não consignação de receitas»;
H) Não existe, pois, qualquer mácula a apontar à sentença ora posta em crise, devendo esta manter-se nos seus exatos termos.



Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., COLENDOS JUÍZES CONSELHEIROS, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

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Por decisão do Juiz Conselheiro Relator de 03.12.2009, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para esse efeito este Tribunal Central Administrativo.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
- Errada valoração da prova;
- Inconstitucionalidade material por violação do princípio da capacidade contributiva, em face da base de tributação subjectiva;
-Inconstitucionalidade material por violação do princípio da capacidade contributiva, em face da base de tributação objectiva;
- Inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1) A sociedade S............., S.A., tem sede na Rua ……….- S. José. …….. Ponta Delgada e exerce atividade no âmbito de “Armazenagem Não Frigorifica”, a que corresponde o CAE 52102 (cfr. informação de fls. 527 do processo administrativo, Anexo III).
2) A sociedade S............., S.A., encontra-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal e, em sede de IRC, no regime geral (cfr. informação de fls. 527 do processo administrativo, Anexo III).
3) Em 22 de outubro de 2014, a sociedade S............., S.A., submeteu a declaração de contribuição extraordinária sobre o setor energético, “Modelo 27”, referente ao ano de 2014, da qual resultou o valor a pagar de € 16.218,29 (cfr. fls. 68, 69 e 165 do processo administrativo, Anexo III).
4) Em 28 de outubro de 2014, a sociedade S............., S.A., pagou a quantia de € 16.218,29 (cfr. fls. 68 verso e 165 do processo administrativo, Anexo III).
5) Em 24 de julho de 2015, a sociedade S............., S.A., apresentou no Serviço de Finanças de Ponta Delgada um requerimento de interposição de reclamação graciosa contra o ato de liquidação da contribuição extraordinária sobre o setor energético, a qual tomou o n.º .............. (cfr. fls. 338 e 341 do processo administrativo, Anexo III).
6) Em 4 de novembro de 2015, o Chefe do Serviço de Finanças de Ponta Delgada decidiu indeferir a reclamação graciosa n.º .............. (cfr. fls. 514 do processo administrativo, Anexo III).
7) Em 4 de fevereiro de 2016, a sociedade S............., S.A., apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação judicial n.º 44/16.0BEPDL (cfr. fls. 1 do suporte físico do processo).
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.
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A convicção do tribunal fundou-se na análise do conjunto da prova documental junta ao suporte físico do processo, nos termos especificados.»


Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:
8) A Impugnante é uma empresa que integra o sector energético nacional, com sede em território nacional e actividade no âmbito da construção e exploração de estações de enchimento e respectivos parques de armazenagem de gases de petróleo liquefeitos e de
outros combustíveis, na Região Autónoma dos Açores. ( cfr. artigo 38.º da p.i.)


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B.DE DIREITO
O presente recurso jurisdicional tem como objecto a sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo de Ponta Delgada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada «S............. - …., S.A.», após indeferimento da reclamação graciosa, apresentada contra a autoliquidação da CESE relativa ao ano de 2014 e respectivos juros compensatórios.

Para assim decidir, o Tribunal «a quo» acolheu no seu discurso fundamentador a jurisprudência emanada do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 8 de janeiro de 2019, tirado no processo n.º 141/16, concluindo que: « (…) CESE é um tributo que se inscreve na categoria das contribuição financeiras, pois a mesma tem caráter comutativo (por ser possível identificar nos objetivos do Fundo de Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, a que a receita foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades prosseguidas por este), sendo possível também divisar a existência de uma conexão entre a origem da receita e o destino da mesma (conexão que é reconduzida a uma „relação causal‟ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (sector energético), e o sujeito passivo; a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se neste tipo de contribuições que são exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador).

Mais se considerou que os operadores do ramo de armazenamento subterrâneo de gás natural usufruem das medidas que contribuem para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associam à atividade do Fundo de Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral.».

A Recorrente não se conforma com o assim decidido, alegando em primeira linha que
ter o Tribunal «a quo» feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que « (…) não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).

No plano da incidência subjectiva, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que: «Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.

Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.

O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente.

Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral.

Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas.

E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral. Como se refere na decisão recorrida, no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador».

Neste sentido pronunciou-se igualmente o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.º 4/2016 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de março de 2018):

«[A] CESE, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica, no sentido acima referido, [trata-se] de uma contribuição financeira.

A CESE é uma contrapartida para o financiamento da eficiência energética e da redução da dívida do SEN, exigida pelo modelo do Estado regulador.»

11. Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida. Deixando de lado o problema de saber se a CESE assume natureza extraordinária, ponto relativamente ao qual o Tribunal Constitucional, atendendo ao objeto do pedido, não tem de se pronunciar – in casu está em causa apenas a apreciação da aplicabilidade da CESE pela primeira vez e no ano para o qual a mesma foi originariamente criada (ano de 2014) – é de acompanhar, sem reservas, a apreciação deste aspeto realizada na decisão recorrida:

«Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula-travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas.

Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário.

Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal – sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como “extraordinário”, é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que “exige” a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, «provisório».

Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza “extraordinária” – e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.º daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.º e artigo 3.º, n.º 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.º, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência – e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual.

Sobre este último ponto, este Tribunal, no caso sub judice ̶ que se reporta, de resto ao primeiro ano da cobrança do tributo, e em que, logo, a questão do seu prolongamento não se põe ̶ não tem de, nem pretende tomar posição. Mas o facto – o que só confirma o carácter «extraordinário» da contribuição ̶ é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015).

E não se argumente, contra o carácter extraordinário e «provisório» da CESE, com o facto de a mesma integrar o leque de receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, e este Fundo ter sido criado com um carácter permanente, à semelhança dos seus homólogos europeus (ex. Fondo nazionale per l'efficienza energética, art. 15 do Decreto Legislativo 4 luglio 2014, n. 102): é que tal circunstância, como é claro, é perfeitamente irrelevante, ou ineficaz, para alterar normativamente a natureza da CESE, tal como resulta das leis que a preveem. […]

Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante – será mesmo causa suficiente– para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída. […]». ( Acórdão n.º 7/2019, de 8 de Janeiro (Processo n.º 141/16), disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190007.html). m:

Aplicando esta jurisprudência à situação concreta dos autos, já se vê que os argumentos expendidos pela Recorrente não colhem, na medida em que é a própria, que afirma que é uma sociedade que integra o sector energético nacional, desenvolvendo a sua actividade no âmbito da construção e exploração de estações de enchimento e respectivos parques de armazenagem de gases de petróleo liquefeitos e de outros combustíveis, na Região Autónoma dos Açores (cfr. 8) do probatório).

A respeito das demais questões colocadas pela Recorrente já foram objecto de apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 8 de Janeiro de 2020, proferido o processo n.º 0386/17.8BEMDL, não se vislumbrando qualquer razão que nos leve a alterar os entendimentos aí vertidos, significa isso, como já se antevê, que acompanharemos de perto esse acórdão.

Escreveu-se naquele acórdão:

« No que tange à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação pelo rendimento real, ser impreciso quanto à incidência objectiva, como bem se demonstra na sentença recorrida e aponta o Ministério Público o art. 3º estatui que a CESE incide sobre activos fixos tangíveis, activos intangíveis, (com excepção estes dos elementos da propriedade industrial), e sobre os activos financeiros afectos a concessões ou a actividades licenciadas de que sejam detentores na sua esfera jurídica patrimonial os sujeitos passivos de tal contribuição, medindo, por essa manifestação, a expressão percentual do esforço contributivo.

No ponto, o Tribunal Constitucional no referido Acórdão nº 7/2019, pronunciado no dia 8 de Janeiro, no Processo 141/16, expendeu que:

“Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada”.(…)

Mas a impugnante e ora recorrente argui ainda que a liquidação em causa afronta o princípio da proporcionalidade e da igualdade na repartição dos encargos públicos.

Todavia, se o tributo em causa reveste a natureza de uma contribuição financeira, e não de um imposto, apenas é exigível a proporção da respectiva incidência objectiva, isto é, apenas na expressão percentual dos seus activos, e não de um valor fixo, um valor proporcional à respectiva capacidade económica. E tal valor é canalizado para a formação de um património autónomo, e não para gastos comuns do Estado, com autonomia administrativa e financeira, o denominado Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, sendo que tal solicitação é igualmente efectuada na mesma proporção percentual a todos os demais operadores económicos equivalentes do sector energético, com o intuito de financiar políticas de tal sector, de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e com a redução do tarifário, da qual a impugnante beneficia na exacta proporção da expressão económica do grupo em que se enquadra e dos benefícios que tal implementação trazem no equilíbrio e sustentabilidade, ambiental e económica do sector em causa.

Assim sob o prisma quer da proporcionalidade material, quer da igualdade material, não se alcança que seja configurável qualquer violação dos princípios referidos na medida em que a impugnante e ora recorrente é tratada exactamente da mesma forma e na mesma expressão de correspondência económica, relativamente a todos os demais sujeitos passivos, sendo chamada a contribuir na proporção da sua dimensão e capacidade.

Tudo isso resulta do Acórdão do TC que vimos referindo e acompanhando e de que se extracta o seguinte bloco fundamentador:

14. A recorrente argumenta que o regime deste tributo, resultante das normas impugnadas, caso se considere a CESE como verdadeira contribuição financeira e não como imposto, sempre seria materialmente inconstitucional, por violar o princípio da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade, aplicável aos tributos paracomutativos, constituindo, igualmente, uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade, assim como do princípio da proibição de consignação de receitas (cfr. conclusão P. das alegações da recorrente, de fls. 407).

Vejamos se serão postos em causa o princípio da equivalência e da proporcionalidade.

Embora não expressamente consagrado na Constituição, o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos.

Decorre, do que atrás se explicitou, que a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer, para o que mais aqui relevava, como imposto.

Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência.

No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN.

É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade.

15. A recorrente invoca, ainda, que esta correspondência não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena de violar a propriedade privada e livre iniciativa económica. Afastada a caracterização como imposto, em virtude da aceite sinalagmaticidade, uma tal questão remete-nos para o controlo do critério escolhido para definição desta contribuição, ou seja, para o equilíbrio entre prestação e contraprestação.

Significa que, encontrada na relação causal enunciada a justificação para a diferenciação deste grupo na tributação, restaria saber se colhe a invocação da recorrente de que a imposição deste encargo violaria o princípio da proporcionalidade.

Ora, está bem de ver – o que sobressai da desenvolvida distinção entre taxas e contribuições para que atrás se remeteu – que a objetividade conseguida na relação entre uma taxa e a troca real e efetiva que a justifica, e uma contribuição e a prestação genérica e presumida que lhe dá origem, será de grau necessariamente diferenciado, já que, nas prestações presumidas/custos provocados, esta relação não poderá deixar de ser mais difusa ou reflexa, pela sua própria natureza. Por isso, na finalidade de promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, prevista como um dos destinos da CESE, a que, aliás, a lei consigna a maior parte das receitas deste tributo [artigo 4.º, n.º 2, alínea a)], não se procura a identificação de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis e comparáveis com o sacrifício imposto, mas um mínimo de probabilidade na obtenção desses benefícios pelos sujeitos passivos. E, no caso da recorrente, ainda que se pudesse considerar que inexistiria relação causal entre o desempenho da sua atividade e a dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, ou que não beneficiaria de medidas promovidas para sua redução – já que a requerente não integra o setor electroprodutor –, sempre aqueloutro objetivo, enunciado como destino maioritário da alocação de verbas, pode ser identificado como elemento suficientemente justificador da relação causal entre o tributo a pagar e o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental. É que, como se afirmou já, a causalidade estrutural desta contribuição não assenta, de modo algum, exclusivamente, na redução da dívida tarifária do SEN.

Adiante-se, aliás, que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar do posterior e efetivo grau de desenvolvimento de concretas políticas sociais e ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética, que concretizem a intervenção estadual no setor energético de modo a satisfazer aquele que é um dos objetivos da CESE elencado no artigo 1.º, n.º 2, do seu regime, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, no qual se determinou que esta «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético…», finalidade reforçada no artigo 2.º do diploma que criou o Fundo para o qual a contribuição reverte, que visa a «promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional».

No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime jurídico da CESE).

Consequentemente, a incidência subjetiva da CESE abrange um conjunto justificável e diferenciável de destinatários que irão, através dela, compensar prestações que presumivelmente serão por estes provocadas ou aproveitadas – seja, a redução tarifária do SEN, ou, no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da requerente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético –, mantendo estes inegável proximidade com as finalidades procuradas com o lançamento da CESE, nesse sentido assumindo aquela contraprestação uma natureza grupal, razão justificadora da tributação que sobre o grupo recai, distinguindo-o dos demais contribuintes.

No quadro de um modelo de Estado regulador, o objetivo do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético é especialmente aproveitada pelo grupo de operadores económicos em que a recorrente se inclui. Como já se afirmou, neste contexto, é possível identificar uma suficiente conexão entre a origem da receita, cuja fonte são os agentes económicos sujeitos à CESE, e a sua finalidade, que a lei consignou ao FSSSE, de instituição de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, de que o setor económico beneficiará.

É na promoção desta finalidade, e nos benefícios e encargos que daí advêm para determinados setores, que o legislador sustenta a imposição a operadores do setor económico da energia de um tributo que não recai sobre outros operadores económicos, nem sobre a generalidade dos cidadãos contribuintes. E esta prestação é inegavelmente útil à consecução do fim a que se destina, de assegurar as medidas do setor energético referidas, sem onerar a generalidade dos operadores de setores distintos e os cidadãos em geral, a que não se destinam, que as não causaram nem delas beneficiam.

É por esta mesma razão, de afastar do financiamento destas medidas de sustentabilidade energética os demais contribuintes que não lhes dão origem, nem delas beneficiarão de modo direto, que resulta patente que impô-las não se poderá considerar discriminatório.

Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético.

A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo:

«[E]ntende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.»

Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto».

A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo».

Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento.

Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado.

Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos.

Por outro lado, e relativamente às isenções previstas no artigo 4.º do regime da CESE, sendo, à partida, variado o leque de obrigados pelo tributo, a pretensão da sua criação será a de permitir, de algum modo, a distinção do seu impacto nos diferentes operadores económicos, visto que as diferenças normativas de regime já lhes definiram, previamente, distintos direitos e obrigações administrativas, ao modelarem a respetiva atividade. Ao estabelecer isenções, o legislador dá indicação de procurar atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores, em função da natureza da sua atividade, que os colocam em planos não coincidentes relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade sistémica do setor energético. O mesmo se diga da opção de não estabelecer uma taxa única aplicável à base de incidência definida, que fosse indiferenciável para todos os operadores.

Daqui não se segue – o que é reforçado pela natureza do tributo em causa – que, da definição das isenções, ou da diferenciação introduzida, dentro de cada grupo de operadores económicos, em função do critério dos ativos como base de incidência, ou da distinção feita através da definição de taxas diferentes, tenham de resultar esforços com peso relativo rigorosamente igual, sob pena de se dever considerá-los arbitrários, já que, não apenas se entende que a definição das obrigações encontra fundamento nas características da sua atividade, como procura levar em conta os diversos contributos dos operadores para a sustentabilidade, verificando-se que a diferenciação não é arbitrária. Nesse sentido, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo quanto ao contributo das entidades isentas do pagamento da CESE:

«[I]mporta destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a ‘contribuir’ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.º 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.º 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.º 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade.

Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.».

Assim, quer porque o critério escolhido pelo legislador para delimitar a base subjetiva e objetiva da CESE não é totalmente desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar, quer porque o critério definidor do montante não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável (Acórdão n.º 640/1995), não se deverá afastar as normas em causa.”

A essa luz, não ocorre a violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade nos termos invocados pela recorrente e que foram rechaçados pela bem elaborada sentença recorrida

Escreveu-se, ainda, no Acórdão que vimos seguindo:

«Como também não se verifica a violação do princípio da confiança, da segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal como acusa a recorrente.

E tal conclusão é desde logo imposta pelo facto de, como se demonstrou à saciedade, não só se tratar de um imposto mas também de a contribuição financeira se apresentar como uma situação de excepção que teve a sua génese e fundamento na iminente situação de ruptura financeira das contas públicas, de ruptura económica, e consequentemente também de conturbação do sector da energia, onde se revelava indispensável a intervenção do Estado pelo modo em apreço.

A jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional tem afirmado que, fora do âmbito dos impostos, a retroactividade de outros tributos apenas deve ser recusada em caso de violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos contribuintes, sendo que relativamente ao princípio da segurança jurídica, na vertente material da confiança, exige, para que esta seja tutelada, a verificação de dois pressupostos cumulativos (cfr. o acórdão do TC n° 135/2012, citado na sentença recorrida): a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível (i) quando sejam introduzidas na ordem jurídica normas que produzam uma mutação dessa mesma ordem, com que, razoavelmente, os seus destinatários não possam contar; e (ii) quando a alteração da ordem jurídica não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afectados (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n° 2 do art. 18° da CRP).

Ora, no caso, estes pressupostos não se verificam.

Com efeito, qualificando-se a CESE como um tributo extraordinário também não pode ignorar-se que tal tributo surgiu num contexto de crise financeira.

Daí que, em concordância com o Ministério Público, “…ainda que se reconheça que haja compressão dos direitos patrimoniais da impugnante, importa, face à situação de excepção, fazer uma interpretação de necessária concordância prática de todos os interesses materialmente relevantes e legalmente protegidos em conflito, no sentido de levar a cabo a respectiva compaginação de todos, sem que se mostre afectado o núcleo essencial de qualquer um deles, o que não se verifica neste caso, nem a impugnante o evidencia, discutindo apenas em abstracto a sua discordância por ter sido chamada a efectuar esta contribuição.

Na verdade, e ainda que se admita que a impugnante possa alegar, que no início da sua actividade económica não previu concretamente este pedido de contribuição financeira, também não podemos deixar de referir que tal lhe fosse completamente imprevisível e inopinado, uma vez que se existe sector de actividade em que o inesperado e o contingente é o de maior imprevisibilidade, é este, o da energia.

Conforme é consabido, este é o sector económico mais volátil, em que o próprio preço pode exprimir num curto espaço de horas, não as condicionantes naturais e causais da sua produção e de outros custos fixos, mas de meros fenómenos climatéricos e ambientais extremos, acções especulativos, e o da ocorrência de conflitos armados, distantes que sejam, induzindo tais factores variações imediatas nos preços que se multiplicam por vários dígitos, e consequentemente nas expectativas de rentabilidade, que no limite podem mesmo conduzir a colapso económico.

Assim sendo, contribuir para políticas públicas de eficiência energética, esbatimento no impacto ambiental, e até mesmo da redução marginal do deficit tarifário, na expressão da estabilização do sector em que a impugnante desenvolve a sua actividade, situação que surgiu numa situação de excepção e de emergência financeira nacional, e em que também foram chamados a contribuir todos os restantes actores económicos, e bem assim as pessoas individuais, mesmo as mais desfavorecidas, que ao invés de se confrontarem com uma mera redução da sua expectativa económica, se chegaram a ter que confrontar até com situações extremas de desespero, decorrentes de desemprego, milhares delas, e de insolvência, não sendo esta sequer a situação da impugnante, pelo que não se antevê em que medida pode a mesma considerar-se afectada nas suas expectativas imprevisíveis e inauditas de confiança e segurança jurídica ao ser chamada a contribuir para uma solução de que até é beneficiária e lhe interessa, exactamente na estabilização do mercado energético.”

Em suma, dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CESE, em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Louvando-nos da jurisprudência supratranscrita, e porque entendemos ser inteiramente aplicável aos presentes, improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da Recorrente, sendo de confirmar a sentença recorrida.


IV.CONCLUSÕES
Não padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva e tributação pelo rendimento real, por não serem totalmente claro e preciso quanto à incidência objectiva (artigo 104.º, nº 2 da CRP), da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos (artigo 13.º da CRP) e da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal (artigo 103.º, nº 3 da CRP), as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de Dezembro.


V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 5 de Novembro de 2020

[Ana Pinhol]


[Isabel Fernandes]


[Jorge Cortês]